Comedido, Tim Burton embarca em uma fantasia com cara de filme de super-herói
É impossível ler O Orfanato da Srta. Peregrine para Crianças Peculiares e não imaginar em Tim Burton. Da melancolia de Ransom Riggs até as fotos espalhadas pelo livro, tudo remete à estética gótica e caricata consagrada pelos filmes do cineasta. Por incrível que pareça, o longa é distante da bizarrice vista em Sweeney Todd, Edward Mãos de Tesoura ou Beetlejuice. O lar das crianças peculiares é muito mais um filme infantil de super-heróis e muito mais do que uma comédia de aventura com os traços de Burton.
A semelhança com os X-Men, por exemplo, não é leviana. Afinal, as Crianças do título possuem poderes inexplicavéis e responsáveis por deixá-los à margem da sociedade. Além disso, todos eles têm a tutela de uma Professora X, a Senhorita Peregrine, interpretada por Eva Green. Para introduzir o espectador ao mundo fantasioso, o filme apresenta Jake (Asa Butterfield), um garoto que sofre bullying dos colegas e que perde o adorado avô de forma trágica. Antes de morrer, o avô faz um pedido e o menino decide ir ao encontro do lugar que estava sempre nos contos de ninar contados pelo velho - o Orfanato da Srta. Peregrine.
Burton apresenta as crianças e os poderes de cada uma com a parcimônia necessária - nenhuma delas tem tempo, a não ser o casal protagonista, Emma e Jake. A relação dos mesmos é um dos pontos com mais falhas no roteiro, que consegue equilibrar com a presença dos coadjuvantes, mas não é eficiente na hora de aprofundar os problemas vividos pela dupla. Jake possui pais ausentes, um avô nomeado como maluco e se vê no meio de uma fantasia estranha - nada disso é explorado na trama. O mesmo serve para Emma, que tinha uma relação antiga com o avô de Jake e tornando-a uma garota tão experiente como uma mulher de 80 anos
Tim Burton prefere não discutir os dramas do livro de Ransom Riggs. Enquanto a publicação refere-se claramente à guerra, alcoolismo e à iminência da morte, o filme joga esses temas na tela superficialmente. As mudanças em relação à obra original não pararamm por aí. Há trocas de poderes, um novo vilão (Samuel L. Jackson) e adição de cenas muito diferentes no primeiro livro da franquia, que hoje possui quatro capítulos. Pontualmente, as adaptações feitas não prejudicam o filme, mas pode irritar os fãs. Na narrativa, a maior diferença é não dramatizar tanto o psicológico dos personagens.
Tim Burton e sua roteirista, Jane Goldman, decidiram seguir um tom mais infantil, de Sessão da Tarde, do que um conto macabro sobre crianças peculiares/problemáticas presas na década de 1940. A escolha é visível nas cenas de batalha no parque de diversões, no stop-motions de algumas caveiras e até na animação de um elefante mecânico. Nada é tão obscuro, mas sim divertido e pitoresco, mas com o DNA de Tim Burton, que finalmente deixa o seu lado mais macabro aparecer - a cena do banquete dos olhos e da transformação dos etéreos são bons exemplos.
Com essa mistura de brincadeira de crianças e pesadelos, O Lar das Crianças Peculiares mostra um Tim Burton menos preocupado em se exibir e mais atento à diversão do público. O filme desperdiça alguns personagens e questões de potencial, mas entrega uma aventura de estética e ritmo condizentes com a proposta do livro de Ransom Riggs. É realmente um bom filme para curtir em família ou amigos. Vale a pena conferir.
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